A Amazônia e a soberania nacional.


Não é de hoje que se fala da relativização da soberania nacional. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, houve fluxo e refluxo, mas o Estado Nação, não obstante, mantém intacto seu apego a seus direitos, que julga, soberanos. A pressão no sentido oposto, ou seja, globalista, contudo, também persiste. Não há dúvida da determinação do Estado Nação em manter seu papel central com definidor da ação política, mas cabe considerar se ainda tem capacidade para tanto. Igualmente, cabe ponderar sobre a adesão e fidelidade dos indivíduos à Nação.


O caso da Amazônia é bem ilustrativo da evolução desse confronto entre forças nacionais e globais. Nos anos de 1960 e de 1970, os governos militares puderam, sem nenhum constrangimento a sua vontade e a sua ação, elaborar um plano de desenvolvimento econômico para a Amazônia e implementá-lo, abrindo, por exemplo, inúmeras estradas na região. Os governos que se seguiram a essa fase, a partir da segunda metade da década de 1980, já se viram limitados em exercer a vontade do Estado brasileiro sobre o território amazônico plenamente. Essa limitação e constrangimento só cresceram desde então. Com efeito, houve uma paralisação das ações do governo para a Amazônia nas últimas três décadas. Tão forte foi a pressão externa que não se conseguiu sequer recuperar uma simples estrada, que é o caso da BR-319. Mais grave é que a vontade de atores externos se internalizou dentro do próprio Estado-Nação por meio da incorporação de princípios internacionais à legislação pátria e da contaminação ideológica do conservacionismo. 


Cabe fazer um sumaríssimo histórico dos avanços e retrocessos da "tendência" de enfraquecimento do Estado nacional. Em 1957, a tese é articulada por Jonh Hertz no artigo "Rise and Demise of the Territorial State". Seu argumento era de que a soberania nacional havia se submetido a alianças multinacionais para garantir a segurança, referindo-se à OTAN e ao Pacto de Varsóvia. Sua análise estava, talvez, correta para aquele período tenso da Guerra Fria e da ameaça nuclear.


Na década seguinte a tese de Hertz foi contestada pela realidade. Nos anos de 1960, o General De Gaulle retira a França do comando militar integrado da OTAN, afastando-se do Estados Unidos, e a China rompe com Moscou, o que mostrou que o Estado-Nação estava bem vivo.


Nos anos de 1980 e 1990, com o enfraquecimento do regime comunista e eventual colapso da União Soviética, surgem movimentos sociais, econômicos e políticos contraditórios que apontam tanto para o fortalecimento do Estado-Nação quanto para seu enfraquecimento em favor da globalização. Por exemplo, pipocam movimentos nacionalistas em todos os lugares: Sérvia, Croácia, Russia, Quebec, Valônia, Catalunha, etc. Ao mesmo tempo, emerge um liberalismo globalista que interconecta economicamente, comercialmente, financeiramente, tecnolgicamente, todas as sociedades do mundo, criando profunda interdependência entre elas, sendo, provavelmente, a União Europeia o mais concreto exemplo dessa tendência.


Esses movimentos opostos são interpretados por teóricos das relações internacionais. Dois dos mais famosos são Fukuyama que, com otimismo, decreta o "fim da história", afirmando que a rivalidade entre os Estados cedeu lugar à concorrência entre as empresas multinacionais; e Samuel Huntington que, com seu pessimismo, aponta para um futuro sombrio de "confronto de civilizações". Nas duas análises não há espaço para o Estado-Nação. Na visão de Fukuyama o Estado é engolido pelo liberalismo globalista; para Huntington, blocos de culturas supranacionais obliteram o Estado.


Essas tendências centrípetas e centrífugas, ou seja, de nacionalização ou globalização, do poder mundial seguem hoje lado a lado, sem clareza de qual será o futuro. Por exemplo, as criptomoedas parecem apontar para uma inevitável globalização na qual não está claro o papel do Estado-Nação. Por outro lado, a ascensão de Putin, com a defesa dos ideais do nacionalismo grão-russo; assim como as recentes vitórias de Trump, de Bolsonaro, e de Boris Johnson parecem indicar um grande desconforto das sociedades nacionais com a globalização. O caso de Boris Johnson, inclusive, mostra que está nas mãos do Estado-Nação desfazer a globalização, se considerar oportuno. Não é isso que representa a saída do Reino Unido da União Europeia?!


Voltando para o caso da Amazônia, temos de tentar responder a questão posta inicialmente da capacidade do Estado-Nação e da fidelidade e adesão dos indivíduos a este. Bem, no passado, muitas pessoas trocaram sua fidelidade à nação pela fidelidade à ideologia socialista. Hoje, muitos trocam sua fidelidade à nação pela fidelidade à ideologia conservacionista. Com efeito, muito brasileiros, lamentavelmente, se opõem à vontade soberana da Nação de desenvolver a Amazônia, aliando-se a governos estrangeiros, a organismos multilaterais, a ONGs internacionais e, até, à Igreja. São inimigos internos. Quanto à capacidade de ação do Estado-Nação, inegavelmente, está limitada. Bom exemplo disso foi a recente declaração de Emmanuel Macron de que o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul está condicionado à conservação da floresta amazônica. Dessa declaração derivam inúmeras implicações, em especial, de ordem econômica e comercial, que se refletem no processo político e inibem a ação do Estado. Ou seja, é inegável, que o Estado-Nação está limitado tanto por suas capacidades quanto pelo sentimento de não adesão de seus cidadãos. É um conflito real, cuja evolução, para um lado ou para o outro, definirá o futuro do sistema de poder mundial... O destino da Amazônia - e a vida de cada um de nós - também depende de quem vencerá essa queda-de-braço.

Belisário Arce


Diretor Executivo


Associação PanAmazônia